Verdade


Conta-se que existiu, em algum ponto no espaço e no tempo, uma civilização neste mundo que vivia e respirava sua espiritualidade e crença na transcendência como nenhuma outra que jamais houve ou haverá. Entre eles, o conceito que hoje nossos doutores traduziriam como “verdade” supostamente cobria pelo menos três ideias que reconhecemos como distintas: a existência dos deuses (vistos não apenas como personificações de fenômenos naturais, mas, em uma elaboração de tal mitologia, como pilares próprios do mundo, penetrando e trespassando a essência de toda coisa que pudesse ser percebida e considerada como real), os textos que relatavam a experiência divina e, finalmente, a noção mais próxima de um oposto a “mentira” que eles de fato possuíam.
Ocorreu então, de certa feita, que um homem da ciência entre eles fez uma descoberta que contrariava os textos sagrados. A Terra não era cúbica, afinal de contas; ele sabia, no fundo de sua alma, que isso era correto e havia provas abundantes como suas testemunhas. Entretanto, o próprio ato de evocar suas ideias o traía: simplesmente por divergir da “verdade”, o que dizia nunca poderia ser levado a sério por seus compatriotas. Uma criativa peça de ficção, e nada mais; o sábio não encontrava, nem nunca encontraria, meios para reclamar à sua descoberta algo de credibilidade. Morreu repetindo, balbuciante, que sempre esteve certo, mas não conseguiu convencer a ninguém (quiçá nem a si mesmo).
É dito também, e isso é digno de nota, que os únicos deste povo que chegavam a desafiar a norma eram os poetas marginais, palhaços e desocupados, ignorados pela população em geral e perseguidos pelos clérigos mais conservadores; esses que, em seus delírios, talvez sem compreender totalmente o que faziam, falavam de “mentirosas verdades” e “verdadeiras mentiras”...

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