Quando o Boyer me ligou, eu não
acreditei. Claro que ele não entendeu o meu silêncio; tava feliz da vida, o
filho da puta, só eu e ele sabemos quanto trabalho nós passamos
nestes últimos meses. Quanto trabalho...
- Acabou! - era só o que ele gritava,
intercalando com algumas merdas em francês que eu nem entendi. - Até que enfim, acabou!
Acabou. Esquina da Jackson com
a O’Neil, numa casinha geminada de um quarto só, o pessoal do FBI pegou o Poeta
literalmente com as calças na mão: o moleque de 28 anos tava tranquilamente
socando uma punheta quando eles chegaram; a mamãezinha dele fez um escarcéu na
calçada enquanto ele entrava na viatura. O que eu não daria pra ver a cara dele
nessa hora... E, sim, ele morava no porão
da casa da mãe.
Eu não fui na festa. Não tinha
por quê. O que eu fiz pra ajudar? Sentado aqui no meu escritório, com a quinta
ou sexta dose de uísque na mão, eu só fico vendo todas as minhas horas
perdidas... Todos os poemas, citações, referências... Todas as pistas que ele
deixou pra lugar nenhum, tudo bobagens que ele pegou na internet ou sei lá. A
gente se sente como naqueles filmes de Hollywood, sabe?, o assassino quer ser pego, ele quer ser descoberto
por alguém tão esperto quanto ele; e eu caí feito um patinho. Me lembra daquele
conto do Borges, “A Morte e a Bússola”; só que no meu caso
o “mistério” é que não tinha mistério nenhum, e eu podia seguir decifrando
pro resto da vida sem nunca chegar um centímetro mais perto da verdade. O
Poeta era um vagabundo de 28 anos que morava com a mãe e tinha um maldito
computador.
Daí a gente pensa, porra, e se eu tivesse pegado o cara? Por acaso. Porque foi o que aconteceu;
ele só foi pego porque cometeu um erro, se não até hoje a gente taria pulando
de corpo em corpo tentando achar um padrão que não existia. Ele cometeu um
erro. Uma câmera de segurança pegou o rosto dele no horário e local do
crime, no dia seguinte o FBI já sabia até o cereal favorito dele. Um erro
besta; mas né?, o cara é só humano. Só humano.
Aquele serial killer que toda semana aparecia no jornal, o “gênio
criminoso”... É loucura, eu li uma merda de um livro de psiquiatria só pra
tentar entender a cabeça dele! Eu sei, eu sei, que bom que ele tá na cadeia,
mas... Não faz sentido! O Poeta, o verdadeiro
poeta... Eu já tava tão próximo dele que eu podia quase prever o que ele
iria fazer. Eu tava quase pegando o desgraçado... Eu conhecia ele, caralho! Eu poderia... Se eu quisesse, eu poderia até
recriar os passos dele, imitar cada pequeno detalhe, ninguém nunca saberia a
diferença! Teria que ter sido eu, deveria
ter sido eu!
*
GASQUE, ME - o corpo de Nina Elliot,
24 anos, foi encontrado ontem à tarde em um quarto de motel à beira da US 201,
depois de um hóspede ter reclamado do mau cheiro; por seu avançado estado de
decomposição, os investigadores estimam que o crime deva ter ocorrido há mais
de uma semana, apesar de nenhuma denúncia de desaparecimento ter sido relatada
à polícia local nos últimos dias.
Nina foi morta por perda de sangue,
no que deve ter sido uma lenta e dolorosa tortura: ela foi drogada, amordaçada,
e seu corpo estava coberto de múltiplos e profundos cortes. O proprietário do
local declarou ter ouvido sons peculiares vindos do quarto, mas disse que
julgou se tratarem de “gemidos de caráter sexual”; de fato, a porta não
apresenta sinal de arrombamento, indicando que a vítima permitiu a entrada do
assassino.
A notícia tem perturbado os
habitantes da pacífica Gasque, já que o modus
operandi do criminoso bate com o do assim chamado “Poeta”, serial killer
responsável por pelo menos uma dezena de homicídios nos últimos meses; Edwin
Flavin, principal suspeito, preso há cerca de um mês, ainda não foi a
julgamento. A polícia local ainda não sabe dizer se a morte de Nina Elliot é de
fato a mais nova ação do Poeta ou simplesmente um “crime de copycat”, mas
admite que a frieza e a minúcia com que foi executada denotam tanto habilidade
quanto experiência por parte do assassino.
Um detalhe do crime, porém, tem tirado
o sono dos locais: na parede do quarto, pintada com o sangue da vítima, estava
a frase “vocês realmente acharam que podiam me pegar?”.