Um guaxinim
verde desliza montanha acima, enquanto uma trilha de pós-metal toca ao fundo;
ele passa por uma abertura geometricamente perfeita na face da rocha, e trilha
por labirínticos caminhos cavernosos durante alguns minutos; encontra,
enfim, o mítico morango neon radiativo, descansando sobre um altar de mármore;
e, quando está prestes a comê-lo, uma vaca cai do céu e o esmaga em uma poça de
sangue. Os créditos rolam, citando nomes de pessoas que nunca existiram.
Para a
maioria das pessoas, a descrição da cena final de Bellpeppers of Death soa
como um semi-sério esforço pré-adolescente em emular uma peça surrealista; para
os fãs de Marcos da Silveira, contudo, ela representa o último fragmento de uma
narrativa complexa e altamente simbólica.
Da Silveira
foi um animador autodidata, de cuja biografia só o que se sabe é
que nasceu no Brasil e se radicou nos Estados Unidos. Durante sua curta
mas prolífica carreira, publicou centenas de vídeos em seu website ApocalypticMutilationDaSilveira,
em sua maioria curtas dinâmicos e temperados com humor nonsense. Sua
obra passou anos na obscuridade, vindo a ser descoberta apenas no fim de
sua vida; este último período, entretanto, foi seu mais produtivo e
bem-sucedido.
Pode-se dizer
que o que alavancou seu trabalho à fama repentina foi a postagem no fórum 4chan
de um trecho de sua animação Popcorn, sob a alegação de que
esta incluiria mensagens subliminares relacionadas à Illuminati; apesar de
tal ponto de vista ser hoje predominantemente rejeitado pelos fãs,
foi esse escrutínio que levou muitos internautas a perceber uma série
de pistas contidas em seus vídeos, as quais sugeriam um enredo muito mais
profundo e sólido “oculto” sob a superfície cartunesca. Boatos e teorias a
respeito foram se espalhando pela web; e, conforme novos episódios iam
sendo produzidos, mais e mais pessoas se uniram no esforço de interpretar
sua criação como um todo.
O curta
mencionado no início deste texto, por exemplo, contém uma série de referências
mais ou menos óbvias aos seguidores mais ferrenhos (como a vaca, ou a cor
do personagem principal); mas é mais notável por apresentar a seguinte
inscrição, visível somente em um freeze frame aos 5min30seg: “For
hast thou read the tales unwritten/Of craven love and hope undying?”. A origem
dos versos é incerta: enquanto que alguns creem que seja uma composição
própria, certas fontes os atribuem ao igualmente obscuro poeta
brasileiro Gonçalo Fernandes (o original em português seria “Pois leste tu
os inauditos versos/De amor covarde e eterna espera?”); de
qualquer forma, a alusão apenas reforçou a suspeita dos fãs de que o mistério
por trás da série remetia a uma paixão secreta do autor.
Mesmo com sua
popularidade recente (ou, talvez, em função dela), Marcos aparentemente passava
por um período conturbado em sua vida pessoal; a relação de tal com o conteúdo
de seu trabalho é desconhecida, e foco de muita especulação. O fato é
que, em outubro de 2018, o animador postou em seu site uma carta de
suicídio, entremeada de frases enigmáticas e saturadas do humor negro que lhe
era característico. Apesar do choque com o falecimento súbito de seu ídolo, o
trecho mais espantoso para os fãs possivelmente tenha sido a revelação que ele
deixou sobre sua obra:
“(…) e eu espero que me perdoem
por guardar este detalhezinho até o último momento. A verdade é que nunca
existiu uma backstory “secreta” por trás da coisa toda. Eu menti; me
processem.
Tipo, quando Popcorn começou a
bombar, eu via vocês conversando sobre essas supostas ‘mensagens ocultas’
e eu ficava tipo ‘wtf?’; mas eu comecei a ter cada vez mais visualizações,
e resolvi jogar o mesmo jogo. Sabem quando estudantes enchem seus ensaios com
palavras bonitas e observações desnecessárias, pros professores de Inglês
acharem que eles entendem de simbolismo? Então, foi mais ou menos isso que eu
fiz. E porra, como funcionou! Era só eu colocar um personagem parado no fundo
de uma cena, ou escrever qualquer bobagem num único frame, que logo os
comentários tipo ‘[tal coisa] só comprova [tal teoria]’ apareciam. Se
vocês forem completamente sinceros com vocês mesmos, nunca teve lógica nenhuma
nessas paradas.
Sério, me desculpem por isso; mas vocês
têm que admitir que foi bem engraçado.”
Aqueles há,
contudo, que duvidam ainda da confissão final, e a consideram uma nobre
tentativa póstuma de preservar sua Dulcineia misteriosa na tranquilidade do
anonimato. A bem da verdade, não são poucos os que creem que da Silveira nem
sequer morreu: à semelhança de outros gênios como James Dean e Jim Morrison,
ele teria forjado a própria morte para escapar ao assédio dos fãs e da
mídia, e deixado mensagens sobre isso também em sua obra; a busca por pistas
continua até hoje.