Kōan

Em uma época de aridez criativa sem precedentes na História da humanidade, um notório falsário, agitador cultural, comediante e ex-blogueiro é contatado por uma misteriosa sociedade secreta conhecida como “Children of Set” com uma curiosa proposta: é-lhe oferecida uma considerável soma para que escreva uma obra sui generis, com a garantia de se tornará um best-seller mundial e causará uma revolução na literatura; a única exigência sobre a estrutura e os temas de tal sendo que pareçam possuir significado, sem em verdade portar algum.
Independentemente de qualquer posição em relação à hermenêutica e/ou à ética da arte que pudesse ter, é evidente que o homem aceita a tarefa.

A primeira parte da narrativa se refere aos últimos meses de vida do semi-fictício diretor de cinema nova-iorquino Vincent van der Oorgh, quando este trabalhava em seu projeto inacabado, Waterfall, or The Transmigration of Senses; certos detalhes, entretanto, parecem ter sido concebidos originalmente pelo escritor, não existindo paralelos com relatos mais “sérios” da vida do cineasta. O livro reconta a anedótica inspiração de Vincent para a criação do documentário, mediante sugestão de sua namorada e frequente colaboradora, a atriz Hannah Moor, de que tentasse “projetar” sua consciência em um objeto inanimado, no intuito de vivenciar a insólita possibilidade de lidar consigo mesmo na terceira pessoa; Hannah, praticante de zen budismo e habituée de sistemas esotéricos, imaginava que isso permitiria a experiência da chamada “morte do ego”, caracterizada pela percepção do self como ilusório, consequentemente levando à iluminação. Seguem-se então alguns capítulos dedicados às filmagens e à relação do diretor com Odadrek (a princípio o nome objeto em questão, posteriormente a forma como van der Oorgh se refere a si mesmo ou a “o que quer” que habitasse seu corpo, e finalmente o que parece ser um críptico mantra ou a representação do todo universal), explorando minuciosamente a lenta deterioração mental do primeiro e culminando com seu suicídio.
Apesar de listar alguns fatos diretamente relacionados aos iniciais (o estrondoso sucesso do documentário; a muito comentada crença de Hannah de que a alma de seu namorado havia reencarnado no corpo de um louva-a-deus, e a produção de seu próprio filme, Locusts Have No King; e a miríade de homenagens, paródias, falsificações e pastiches envolvendo o trabalho de van der Oorgh que se desenvolveu na internet, a qual acabou por render toda a obra do cineasta fundamentalmente dúbia), a seção subsequente do livro centra-se em Augustín Romero, líder comunitário entre imigrantes cubanos ilegais vivendo em Miami e dito membro da Children of Set (versão ficcionalizada da ordem que contratou o escritor). Romero, atormentado por surtos de megalomania e delírios de perseguição, convence-se de que recentes hits das mais diversas mídias e o mais díspares entre si (romances, graphic novels, vídeo games e, é claro, produções hollywoodianas; incluindo, e principalmente, Waterfall) estariam de alguma forma interligados em um plano para neutralizar a influência subversiva de seu grupo no panorama cultural global. Seus desvarios são motivo de preocupação para seu pai, Alejandro: apesar de suspeitar que a própria existência da Children of Set seja uma criação da mente de Augustín, ele teme que as ações irresponsáveis deste acabem chamando a atenção das autoridades e causando a deportação de toda a sua família. O conflito culmina com o patriarca assassinando seu próprio filho, afirmando não ter outra escolha; mas seu ato gera consequências imprevistas: os seguidores de Augustín atribuem a morte do líder a uma suposta sociedade rival (sempre referida simplesmente como “eles”) com conexões no senado americano, na CIA e em megacorporações ao redor do planeta, e uma guerra civil principia.
A terceira e última parte, então, avança duas décadas, após o confronto ter se expandido para uma escala global e destruído grande parte das bases da civilização ocidental. A internet, devido ao nível de paranoia entre as instituições sobreviventes, foi praticamente abolida, se tornando um colossal deserto etéreo; e a imensa maioria dos artistas e estudiosos passou a se dedicar à recuperação e reorganização de todo o conteúdo perdido. Nesse ínterim, um pesquisador que se debruçava sobre as origens da guerra se depara com a patética biografia de Augustín Romero, havendo adquirido, após meses de insistência e negociações duvidosas, documentos da época dos primeiros atritos envolvendo os imigrantes cubanos. Impressionado com as fantasias do estopim da ruína do mundo, e inspirado por aquilo que definiu como “essa quase divina capacidade humana de enxergar significado em tudo”, ele resolve (não totalmente desprovido de um oblíquo senso de humor) fundar, com um grupo de amigos, uma Children of Set de acordo com a visão de Romero; e, buscando dar credibilidade a seu esdrúxulo projeto, põe-se a recriar o agora clássico perdido Waterfall, or The Transmigration of Senses, mas com um enredo inteiramente diferente do original (ao ponto de a única semelhança ser mesmo o nome), apresentando-o à humanidade como se original fosse.

Mas isso não é suficiente para concretizar o complexo plano. Nessa época de aridez criativa sem precedentes na História da humanidade, o pesquisador contata um notório falsário, agitador cultural, comediante e ex-blogueiro com uma curiosa proposta: oferece-lhe uma considerável soma para que escreva uma obra sui generis, com a garantia de se tornará um best-seller mundial e causará uma revolução na literatura; a única exigência que impõe sobre a estrutura e os temas de tal é a de que pareçam possuir significado, sem em verdade portar algum.
O escritor conclui que a melhor forma de fazê-lo é mediante a concepção meticulosa de um paradoxo lógico, inserindo subplots infestados de detalhes desnecessários e salpicando obscuras e incoerentes referências culturais.