Arthur acordou com o primeiro raio de sol e
imediatamente se pôs de joelhos, ainda não totalmente liberto das garras do
sono, para enunciar seu juramento. Eu sou
um guerreiro da Marca, e meu dever é proteger esta fronteira do
perigo da Guerra até que meu Senhor me dispense ou a Morte reclame minha alma.
Somente então se ergueu e caminhou, espreguiçando-se, até a pequena mesa de sua
câmara. A refeição já estava posta, como de costume; o homem não pensou muito a
respeito, pois o pão estava fresco e o vinho se espalhou por seu corpo
como uma centena de línguas de fogo, despertando-o definitivamente. Frio, disse a si mesmo, sentindo os
pelos do braço se eriçar devido à brisa que soprava do exterior. Terminou de
comer depressa e tratou de vestir sua armadura e capa, calçar as botas e cingir
a espada, aprumando-se para suas tarefas diárias; trancou a janela
inconscientemente, antes de se dirigir às escadas.
Aquele dia transcorreu sem maiores problemas. Arthur montou
guarda sobre as ameias, patrulhou as antigas galerias e visitou cada profunda
cela e masmorra da poderosa fortaleza. A solidão, a escuridão e a poeira eram
suas confidentes; o aço em seu cinto, seu amigo mais confiável. Juntos, homem e
pedras suportaram o peso de mais uma vigília, a determinação insone do
vento de inverno em suas faces e a opressão das florestas escuras que
os circundavam; estoicos, imóveis, certos de estarem cumprindo fielmente sua
missão sagrada. Quando a lua começava a se erguer no céu, o guerreiro então
retornou a seus aposentos para suas merecidas horas de descanso; sua
consciência tranquila por seu reino e seu Senhor, deitou a cabeça sobre o
travesseiro na expectativa de sonhos agradáveis.
Arthur acordou alguns minutos antes do nascer do sol e
imediatamente se pôs de joelhos, livrando-se apressadamente das garras do sono,
para enunciar seu juramento. Eu sou um
guerreiro da Marca, e meu dever é proteger esta fronteira do perigo
da Guerra até que meu Senhor me dispense ou a Morte reclame minha alma.
Somente então se ergueu e esquadrinhou o quarto, desorientado, pela fonte de
seu tormento. Frio, sua mente
gritava; e em segundos seu corpo se arremessava bruscamente sobre a cama para
bloquear a violenta ventania que vinha do exterior. Trancou a janela, e se
esforçou tanto quanto pôde para evitar lembrar que já o havia feito no dia
anterior. Andou, ainda tonto, até a mesa de sua câmara. A comida já estava
lá, como no dia anterior; mas ele comeu mecanicamente, pois o pão estava
envelhecido e o vinho se espalhou por seu corpo como uma neblina espessa e
morna, entorpecendo-o ligeiramente. Terminou de comer depressa e tratou de
vestir sua armadura e capa, calçar as botas e cingir a espada, aprumando-se
para suas tarefas diárias; desceu as escadas degrau por degrau, concentrado
apenas em não tropeçar.
Aquele dia foi um verdadeiro teste de resistência. Arthur
correu por sobre as ameias, vagou demoradamente pelas antigas galerias e
revirou cada profunda cela e masmorra da venerável fortaleza. Não sabia bem o
que procurava; mais tentava não
encontrá-lo, o que quer que fosse. Um som persistente o perseguia, contudo,
como se atravessasse as paredes no afã de se fazer ouvir: um ruído
constante e indecifrável, como uma sinfonia de sussurros, gemidos e
arrastar de pés. Os malditos ratos
de novo, ele repetia para si mesmo, e avançava para o próximo cômodo. Malditos ratos. Mas o pior veio quando a
lua começava a se erguer no céu: das ancestrais florestas negras que o
cercavam, o guerreiro viu surgir uma nuvem luminosa que lentamente subiu até
tomar um lugar de destaque entre as estrelas, como que em uma mímica deturpada
do esplendor angélico; essa nuvem então tomou forma humana, um espectro de
longos cabelos escuros e vestido de maneira exótica, pairando imponente sobre a
vastidão desconhecida.
- Não adianta fingir, não haverá final feliz, estou vivo e a
escuridão é minha ferramenta... - cantou o espectro, sua voz zombeteira ecoando
pelo firmamento, clara como o relâmpago.
Impotente diante daquela cena patética, o homem fugiu para
seus aposentos, buscando no conforto da cama a bênção do esquecimento. Mesmo
com o ruído persistente avolumando-se pelas paredes ao seu redor, agora ainda
somado ao som de nuvens negras que trovejavam cada vez mais próximas, ele repetia para si próprio que havia cumprido suas
tarefas, que havia sobrevivido mais um dia protegendo o reino e seu Senhor; que
isso era sua missão sagrada. A última coisa que pensou antes de dormir, no
entanto, foi que durante todos os seus anos de guarda na fronteira ele jamais
vira um rato pelos corredores.
Arthur acordou no meio da madrugada e
imediatamente se pôs de joelhos, como se ainda dentro de um pesadelo, para
enunciar seu juramento. Eu sou um
guerreiro da Marca, e... Mas o ímpeto de suas palavras subitamente se
desfez quando ele sentiu as gotas escorrendo por seu rosto. Meu dever é proteger esta fronteira,
forçou-se a continuar, seu corpo tremendo incontrolavelmente sob a
fúria da tempestade que invadia sua câmara; do perigo da Guerra, o barulho das venezianas chocando-se contra o
batente da janela, que ele tantas vezes trancara, misturava-se ao ribombar dos
trovões quase que harmonicamente, como se intencionalmente trabalhassem para o
desespero do guerreiro; até que meu
senhor me dispense, e a comida novamente sobre a mesa, novamente sem ninguém lá para pô-la; ou a morte reclame minha alma, mas o pão estava podre, o pão estava
podre e a janela estava aberta, e o vinho cheirava a cobre. Ele respirou
fundo, cerrou os punhos e reuniu o que restava de suas
forças; então tratou de vestir sua armadura e capa, calçar as botas e
cingir a espada, lutando para se recordar de suas tarefas
diárias; fugiu desabalado pelas escadas, tropeçando e se levantando sem nem
sentir.
Aquele dia foi o inferno. Entre a potência das forças
da natureza decididas a derrubar a decrépita fortaleza e a orgia demoníaca
dos ratos invisíveis vindos sabe-se lá de onde, Arthur sentiu-se minúsculo e
sozinho. O aço em seu cinto enferrujado e sem fio, seu mundo se desconstruindo
em uma ruína amorfa. Lembrar-se-ia com clareza, apenas, da visão que teve
quando a lua começava a se erguer no céu: mais uma vez, das opressivas
florestas circundantes surgiu um espectro, agora na forma de um homem de
cabelos louros e peito nu, que cantava com uma voz obscenamente feminina.
- A taça está erguida, o brinde está feito mais uma vez; uma
voz é clara acima do barulho... - foi o que o guerreiro ouviu, e então o nada.
Arthur acordou com o sol do meio-dia
incidindo diretamente sobre seus olhos. Seu corpo todo doía e qualquer mínimo
movimento lhe era difícil, mas sua atenção se focou na primeira coisa que viu
ao livrar-se da névoa do sono: a profunda imensidão azul de um céu sereno e sem
nuvens. Pela primeira vez em muito, muito tempo, não pensou em deveres ou
sacralidades; apenas pôs-se de pé, cuidadosamente, analisando sem pressa a
calmaria do mundo: a brisa gentil vinha das árvores, das colinas infinitas, que
agora pareciam vivas e alegres; foi então que ele percebeu que de alguma forma desmaiara
ao relento, do lado de fora dos portões.
- Precisa de ajuda, companheiro? -
uma voz, rouca mas afável, surgiu então às suas costas; ele se virou
rapidamente para se deparar com um ancião encurvado sobre um cajado.
O instinto se reacendeu em um
instante, e Arthur inconscientemente levou a mão à empunhadura de sua espada;
sentia, entretanto, como se segurasse um mero pedaço de latão.
- Não há necessidade de violência, meu amigo.
- o velho se defendeu, sem qualquer mudança em sua expressão ou tom de voz. -
Eu sou apenas um viajante explorando as ruínas, não tenho intenção de danificar
nada.
Aquela resposta apenas fez brotar
mais dúvidas na mente do guerreiro, e ele vacilou; um olhar rápido ao redor
revelou uma paisagem que fazia menos sentido do que os acontecimentos dos
últimos dias: pilhas de pedras gigantescas cobertas de musgo e vinhas, de um
lado; do outro, uma inumerável multidão de espectros observando-o
pacientemente; e aquele homem misterioso a encará-lo com olhos de quase
piedade. Frio, sua mente lhe
aconselhou, mesmo com um ar morno e primaveril a tocar seu rosto; e ele agarrou-se
com mais força ao punho de sua arma.
- Enquanto durar a Guerra, ninguém
pode passar daqui sem permissão do Rei. - declarou, sem ter absolutamente nada
mais a dizer.
- Guerra? - o ancião ergueu as
grossas sobrancelhas brancas, parecendo genuinamente surpreso. - Meu filho, de
que guerra você fala? Você é muito jovem... Esta fortaleza caiu quando eu ainda era menino!
Naquele momento, todos os sons
calaram exceto um. Arthur pôde ouvir com clareza, ecoando em seus ouvidos, os
murmúrios dos ratos, e finalmente entendeu de que se tratavam. Risos. Todos os espectros ao seu redor,
centenas, milhares, todos unidos em uma gargalhada grotesca; e, em meio ao
barulho ensurdecedor, um daqueles fantasmas subiu mais alto que os demais, e
cantou com uma voz como areia e cola.
- Como você se sente? De estar
sozinho, sem rumo para casa, como um completo desconhecido? Como uma pedra rolando?
Por um instante, Arthur sentiu toda
a sua força abandonar seu corpo; estava à beira de um precipício, na ponta dos
pés, e já quase não conseguia mais manter o equilíbrio. Precisou buscar dentro
de si, dentro de suas memórias mais profundas, o ímpeto para resistir.
- Meu jovem, você... - foram as
últimas palavras que o maldito velho disse.
A reação de Arthur foi instantânea.
Seu aço, subitamente vivo, subitamente afiado
como se recém forjado, cortou ar e carne; sangue jorrou; e os espectros se
calaram. Ele então se pôs de joelhos, ainda não totalmente ciente do que fazia,
para enunciar seu juramento. Eu sou um
guerreiro da Marca, e meu dever é proteger esta fronteira do perigo
da Guerra até que meu Senhor me dispense ou a Morte reclame minha alma. Somente
então se ergueu e caminhou, a passos largos, de volta para a segurança de sua
poderosa fortaleza; comeu depressa e se aprumou para suas tarefas diárias.