Uma
antiquíssima lenda persa, reciclada nos repertórios árabe e hebraico, fala de
um poderoso rei do passado (as versões judaicas geralmente o identificam como
Salomão) que, por motivos que só a ele coube saber, exigiu de sábios seus
súditos que criassem um artefato capaz de a uma vez trazer alegria aos
infelizes e tristeza aos contentes; o resultado cumpria o ordenado com uma
trivialidade que era tanto ridícula como genial: tratava-se de um simples anel,
de metal vulgar, portando em seu entorno, contudo, a inscrição “isto também
passará”. A expressão se provou mais duradoura do que outros detalhes do conto,
e se mantém razoavelmente popular nos enredos entrecruzados da cultura
ocidental como um lembrete da fugacidade da aventura humana.
Mas é fácil
(e desagradavelmente comum, por consequência) conceber o rei da lenda como um
robô, cujas emoções, absolutas em si e diametralmente opostas, se alternem com
a facilidade do apertar de um botão. Mais interessante é imaginar os dois estados
como essencialmente vagos, praticamente indistintos, e apenas a experiência
subjetiva podendo diferenciá-los; no momento em que o portador do anel passa a
se entender feliz, a própria existência da infelicidade se torna dúbia, apenas
a impalpável recordação de um sentimento.
E assim todas
as coisas do mundo, todos os eventos que podem ser assimilados como
individuais, apenas são identificados quando sua essência se encontra já no
passado; meras memórias, portanto. Isso ocorre de forma contínua com o fluxo da
percepção. O instante em que a valiosa taça de cristal cai de sobre a mesa, por exemplo, passa sem ser notado; ela é encontrada já em cacos, no chão; e sua quebra como entidade própria, como objeto
linguístico, não passa da reconstrução feita a partir de uma suposição metafísica.
Isso talvez
explique a obsessão histórica do ser humano com a eternidade; ou, mais
especificamente, a eterna conservação, a imutabilidade:
o desejo de congelar cada momento, cada conceito, cada sensação em uma “coisa”
atemporal; um sonho análogo a passar pela vida fotografando incessantemente
tudo que se vê (o que tempos atrás pareceria uma metáfora estúpida, mas hoje já
é quase literal). E daí milênios de arte, das pinturas nas cavernas aos poemas
pós-modernos, dedicados a “oficializar” esses eventos do manancial promíscuo da
memória coletiva para a regularidade matemática da realidade consensual.
Este texto
mesmo não está imune a isso. Ele se fundamenta na ilusão de representar o
desenvolvimento de uma ideia, única e simplesmente; mas, conforme vai sendo
lido, tal ideia vai assumindo tons distintos na mente do leitor, em um ritmo
indecifrável. E, depois do fim, quando a última gota de informação for enfim
absorvida, a conclusão final vai ser inevitavelmente baseada em um fantasma.