Durante as
últimas décadas do século XIX, a cidade de Providence, Rhode Island, presenciou
um dos acontecimentos mais extraordinários de todos os tempos, ainda não
completamente explicado. Quer se acredite numa fraude de proporções gigantescas
ou na ocorrência mais bem documentada de um fenômeno paranormal, a vida (ou “as
vidas”, como talvez seja mais exato dizer) de Melissa Whitman se mantém como um
intrigante mistério até os dias de hoje.
Até o evento
fatídico, nada da biografia da senhorita Whitman sugeriria qualquer traço de
anormalidade. Herdeira de uma das maiores redes joalheiras do país, noiva de um
promissor advogado local e imensamente rica, Melissa dedicava seu tempo,
contudo, às atividades típicas da maioria das mulheres de seu tempo, meramente
se preparando para o casamento e a maternidade.
Sua vida
pacata mudaria bruscamente por decorrência de um acidente doméstico, cujos
detalhes nunca foram completamente esclarecidos; o fato é que, no dia 17 de
maio de 1879, a jovem de dezenove anos foi internada às pressas no Rhode Island
Hospital, já em estado de coma profundo.
Durante o
tempo em que lá permaneceu, sua família perdeu qualquer esperança de vê-la
desperta novamente: os médicos não conseguiam explicar sua condição; todas as
suas funções vitais, pelo que recordam os registros da época, funcionavam
perfeitamente, e ainda assim ela permanecia inconsciente. Com o tempo, seus
familiares foram abandonando-a, seu noivo casou-se com outra mulher, e por fim
só seu pai a visitava com alguma regularidade. Para todos os efeitos práticos,
era como se a senhorita Whitman estivesse morta.
Agora, há de
se comentar uma circunstância paralela, essencial ao entendimento da
peculiaridade desta história. Ocorre que, no mesmo quarto de hospital onde
Melissa passou os anos de seu coma, estava internado o senhor Waldemar Kloos,
um idoso imigrante alemão que era acometido de, além de uma terrível doença
debilitante, alguma deficiência mental. O velho tinha o costume de xingar as
enfermeiras, outros doentes e mesmo seus próprios parentes, que também
dificilmente iam visitá-lo. Em seus momentos de lucidez, conversava longamente
com Rupert Whitman, pai de Melissa, assim como outros familiares quando estes
ainda a visitavam, e demonstrava um grande interesse pela saúda da menina;
quando, entretanto, sofria de seus devaneios, falava com a própria Melissa,
debochando de sua condição ou lhe relatando suas próprias dificuldades.
Waldemar veio a óbito, devido a uma falência múltipla de órgãos, no dia 3 de
janeiro de 1886, deixando três filhos e sete netos.
E é aí que
surge o aspecto inexplicável da vida de Melissa Whitman, aquele que a tornou
notável até o presente: por volta de seis meses após a morte do senhor Kloos,
no dia 15 de julho daquele ano, ela acordou; mas não era mais a ingênua e
tranquila filha de Rupert Whitman que habitava aquele corpo: o sotaque, os
trejeitos, a personalidade, mesmo as memórias daquela alma eram exatamente as
de Waldemar Kloos.
O assédio de
jornalistas e curiosos em geral, a partir do momento em que a notícia vazou,
foi suficiente para que o patriarca Whitman se dispusesse a isolar a filha na
mansão da família, se não num sanatório; mas Melissa se recusou. Agindo como se
não compreendesse a situação em que se encontrava, ela exigia voltar para
“seus” filhos, “sua” casa e “seu” trabalho como sapateiro em uma região mais
pobre da cidade. Os detalhes que fornecia da vida de Waldemar eram
impressionantes: ela sabia descrever inclusive o local onde o imigrante
nascera, na Baixa Francônia, citando detalhes que Herman Kloos, filho mais
velho de Waldemar, afirmou “só poderem” ser conhecidos pelo próprio ou por
alguém dele muito próximo.
A convulsão
subsequente chegou ao ponto de os descendentes de Waldemar se disporem a
iniciar um processo judicial requerendo que a jovem “herdasse” os direitos
legais (incluindo a identidade em si) do falecido, sendo oficialmente
considerada “pai” de Herman, Arnold e Johan e “avô” de seus filhos (a maioria
dos quais mais velhos do que ela própria), tamanha era a afeição que estes
adquiriram por Melissa, apoiados pelo fato de que o clã Whitman aparentemente
“se esquecera” daquele membro da família; o processo só não ocorreu devido a um
acordo amigável entre os descendentes do senhor Kloos e Rupert Whitman,
permitindo que os primeiros visitassem a menina e com ela convivessem como se
fosse, de fato, seu parente morto, desde que (conforme noticiou o The Providence Journal à época)
“seguindo as normas do bom senso”.
O enigma de
Melissa Whitman chegou perto de ser resolvido alguns anos atrás, quando Harold
Kloos, “seu” bisneto, revelou conhecer a “explicação” de todos os eventos de
sua vida. Segundo ele, a senhorita Whitman nunca “se transformara” em Waldemar;
o que teria ocorrido seria simplesmente uma vingança contra a sua família:
Melissa, em verdade, nunca teria estado em coma. Apesar, afirmou Harold, de não
conseguir se mexer além dos movimentos involuntários naturais, ela estava
plenamente consciente do que acontecia a sua volta: o abandono que sofrera, seu
futuro marido se casando com outra e seus parentes agindo como se ela já
estivesse morta. Então, dos anos de convívio com o senhor Kloos, ela teria
maquinado seu absurdo plano, memorizando tudo que conseguia da vida do velho, e
“assumindo” sua identidade assim que retomara o domínio de seu corpo. Depois de
ter se tornado suficientemente próxima dos Kloos, ela então teria lhes contado
a verdadeira história, mantida por gerações como segredo de família.
Todavia,
Robert Whitman, atual herdeiro do clã Whitman e autor do livro The Two Lives of Melissa Whitman: Fact and
Fiction, contestou a versão do bisneto de Waldemar, afirmando não existirem
provas suficientes para declarar que a fantástica narrativa “oficial” (a qual,
por acaso, é fonte de renda para muitos membros de sua família atualmente) seja
falsa; de forma que, quase dois séculos depois do misterioso evento,
dificilmente hoje cheguemos a saber o que de fato ocorreu.