Os Gongli (mandarim: 貢隸; pinyin: Gònglì; aprox. “servos presenteadores”) foram uma tribo originária da
margem do deserto de Taklamakan durante a segunda metade do primeiro milênio,
cuja História é conhecida principalmente por breves referências inclusas em escritos
provenientes de civilizações circundantes. Os registros mais remotos de sua
existência se encontram em anais da dinastia Tang concernentes à campanha do
imperador Taizong contra as “regiões ocidentais” (por volta de 640 d.C.),
quando foram subjugados pelos chineses; menções posteriores, ainda que
esparsas, nos oferecem uma linha do tempo mais ou menos certa de sua
civilização.
A origem do povo permanece um
mistério: embora uma ligação aos grupos étnicos predominantes na bacia do Tarim
(indo-iranianos, túrquicos e sino-tibetanos) seja claramente negada por
evidências lingüísticas, estas são por demais insuficientes para que se possa
confirmar qualquer teoria. Um parentesco com a família urálica foi sugerido
(Nikolayev, 2013) em função do exônimo lhes dado pelos Tang: em chinês médio, 貢 e 隸 eram pronunciados,
respectivamente, [kuŋ] e [lei] (tom não representado); uma hipotética designação *Kun(g)lei(l) poderia então ser derivada
dos termos proto-urálicos reconstruídos *kuŋe e *lewl (cf. estoniano leil),
rendendo algo como “espírito da Lua”. A proximidade fonética, entretanto, não é
uma indicação confiável: sendo os hanzi um sistema de escrita
logográfico (ou seja, cada grafema carregando em si informação semântica), os
nomes conferidos pelos chineses a seus vizinhos comumente se originavam com
base em seu significado, mantendo pouca (ou, por vezes, nenhuma) relação com
sua pronúncia; a semelhança, portanto, pode ser apenas coincidência.
De qualquer forma, o auge da importância
histórica dos Gongli se deu exatamente na ocasião de sua maior afinidade com a
dinastia Tang: em 657 d.C., lutaram ao lado do general Su Dingfang em sua
conquista do Canato Turco Ocidental, e receberam como recompensa uma pequena
região para governar. Embora ainda fossem submissos aos qaghans turcos
(fantoches chineses) empossados após a guerra, esse período ficou conhecido
como Império Gongli na História do povo. Os únicos textos autóctones de
que se tem notícia, redigidos em sogdiano, são dessa época, e narram uma “era
de ouro” de sua sociedade. A relativa paz e unidade territorial propiciaram um
florescer das artes e da cultura, de cujos frutos hoje só nos restam mesmo as
descrições contemporâneas; e estas, infelizmente, são tão raras quanto haviam
sido em anos anteriores.
Ao fim de um século de pax gongliana,
então, desenrolou-se a malfadada rebelião de An Lushan (iniciada em 755 d.C.),
à qual o Império esteve inevitavelmente conectado (voltando-se contra seus
antigos aliados chineses) e que veio a desmantelar a dinastia Tang e redefinir
a organização geopolítica de toda a Ásia Central. Alusões à tribo se tornaram
relativamente freqüentes nos relatos bélicos da época, se bem que sempre em um
papel secundário; e por fim, após terem sido presumivelmente assimilados ao Império Tibetano ou
ao Canato Uigur, os Gongli enquanto
nação somem definitivamente dos registros históricos.
A maior fonte histórica acerca do povo,
entretanto, vem de um momento anacronicamente tardio: Ano, único historiador gongliano
conhecido, foi quem compilou sozinho quase que a totalidade de informações a
que se tem acesso sobre os Gongli. Monge budista, Ano viveu em Amdo durante a
chamada Era da Fragmentação do Tibete (iniciada por volta de 845 d.C.), quando
aquela região da Ásia Central passava por um período de intensa guerra civil;
ele descreve como sua tribo ainda persistia, ocupando uma área dividida entre
diversas hordas turcas e facções tibetanas, saudosa dos tempos da unificação. O
mais interessante, porém, é discordância do autor em relação a textos mais
antigos: para ele, o Império nunca teria existido, e os tais registros
em sogdiano seriam fabricações contemporâneas, “fábulas” (tibetano clássico: སྒྲུང་དག་; Wylie: sgrung-dag), destinadas a atribuir
ao povo um passado glorioso. Ano chega a afirmar que mesmo o gongliano seria um
idioma artificial (ele próprio escrevendo apenas em tibetano; presume-se que
fosse essa a língua usada pelos seus à época), e que os Gongli teriam sido
desde o início uma tribo túrquica que “renegara suas origens”.
A influência de suas idéias foi
considerável: dos poucos textos posteriores a abordar o assunto (os que
sobreviveram aos dias de hoje, pelo menos), todos fazem alguma menção ao
historiador, por menor que seja. Alguns concordam inteiramente com ele; outros,
apesar da falta de evidências materiais, questionam o propósito de se criar e
manter um corpus literário completo sob a intenção disparatada de
instituir uma História “alternativa”. Há também aqueles, oriundos ao que tudo
indica de uma época em que todo rastro da civilização gongliana já se havia
sumido, que argumentam que Ano, tendo sido fluente em diversas línguas (chinês
médio, sogdiano, sânscrito, tibetano e um punhado de dialetos túrquicos), teria
sozinho elaborado toda a saga de “seu” povo, se apenas porque essa hipótese não
é menos absurda do que a que ele mesmo propagava.
Atualmente, a historiografia dos Gongli se
segmenta entre todas essas vertentes (entre outras), e o alcance de um consenso
parece ser inviável. Não restando qualquer registro físico desse povo, e todas
as fontes de informação a respeito se resumindo a textos da internet, qualquer assertiva
é mera suposição.