O ponto mais
crucial na concepção de um trabalho de ficção é sem dúvida o final. É um acordo
tácito, profundamente enraizado em nossa cultura, que uma última página ou cena
deve conter, em algum grau de significado, o cumprimento de algum objetivo
preestabelecido; é algo implícito mesmo na linguagem, tanto
quanto “solução” e “conclusão” podem ser sinônimos. Muitos
escritores, aliás, preferem primeiro imaginar o fim de suas histórias, e então
construí-las de trás pra frente, na tentativa de garantir que não
sobrem “pontas soltas” em seus enredos.
O que,
é claro, redunda completamente antinatural. A vida não é exatamente uma
sinfonia, com o devido respeito ao leitor de pendor analítico; é possível
isolar um evento e o medir com alguma precisão, mas em um contexto mais amplo
ele se torna apenas uma de milhares de variáveis. É por isso que a
historiografia se vale de convenções pra demarcar etapas no fluir das eras: na
prática, nada propriamente começa ou termina, tudo se dá num processo contínuo
de pequenas influências mútuas.
O que
torna os fins tão mais críticos que os princípios na ficção é que eles
representam o exato momento em que o escritor deliberada-(quase
ditatorial-)mente decide parar de elaborar seu mundo artificial; o que
é inevitável, mas fundamentalmente injusto. É necessário, como já mencionado,
um esforço efetivo pra que se crie uma aparência de resolução; de um ponto de
vista intranarrativo, é como se dúzias de potencias tramas, seus protagonistas
e minúcias particulares, fossem obliterados por mera tradição estilística.
Quase um holocausto criativo, poder-se-ia argumentar.
Talvez
as obras mais dignas sejam, portanto, aquelas deixadas inacabadas por ocasião
da morte de seus criadores. Relegar o ponto final aos dados do destino pode não
ser a opção mais viável ou pragmática, mas é com certeza a mais realista. Por
exemplo, o fragmento em que Poe trabalhava durante seus últimos dias
(extraoficialmente nomeado “The Lighthouse”), escrito na forma de um
diário, termina abruptamente antes da quarta entrada; e, por pura coincidência,
o fim repentino condiz perfeitamente com o argumento da história, não limitando
em nada sua inteligibilidade. De fato, é presumível que o fim originalmente
planejado (se é que havia) acabasse por ser menos assustador do que o
acidental; mas isso é só especulação...
Por outro
lado, há casos em que um escritor vivo tem de simular tal situação devido à
falta de opção melhor: se ocorre uma completa exaustão de todos os temas e
enredos planejados (em si um sintoma de má literatura) e ainda assim nada
similar a uma possibilidade de desfecho se manifesta, não raro o texto acaba
por se dissolver em uma espécie de “não-fim”.