O sucesso fora imediato. Aplauso unânime dos críticos, lista dos mais vendidos do New York Times, um contrato hollywoodiano de meio milhão de dólares. Mesmo em seus sonhos mais delirantes, Eva não pensara que aquilo a levaria a tanto, nem que o preço a pagar seria tão alto.
O ponto de transição na vida da tímida professora primária berlinense foi a publicação de Jene Titan-Sonnenblumen (“Aqueles Girassóis de Titânio”, numa tradução aproximada), um romance caótico e colossal que precisou ser dividido em três volumes para ser lançado. A senhorita Nachtigall apresentou à editora as quase duas mil páginas manuscritas como tendo sido encontradas em meio aos pertences de seu avô Hans, veterano da Segunda Guerra; o aval da veracidade histórica foi dado pela professora Margret Steinmann, historiadora da Universidade Humboldt de Berlim.
Jene Titan-Sonnenblumen teria sido escrito durante o período em que o antepassado da professora permanecera em casa, entre 1943 e 1945, impossibilitado de lutar por ter perdido as duas pernas na Batalha de Kursk. Impotente e depressivo, Hans teria destilado sua raiva contra o mundo e contra si mesmo em páginas e páginas de memórias, alucinações, poesia e morte. A estrutura da obra é complexa: o fluxo da história vai e vem na ordem cronológica dos fatos, repetindo e se bifurcando, entretecido por um humor amargo e negro; e cada movimento, cada comentário, parece indicar um significado diferente e importante para o todo. O nome do livro, escolhido por Eva com o auxílio de seu editor (o manuscrito original não possuía título, parágrafo ou espaçamento), vem de um trecho que provavelmente descreve a Batalha de Moscou:
Lá ficamos, nós, os palhaços. Conosco, nossa única companhia nas noites frias, os impossíveis dragões nórdicos, aqueles girassóis de titânio, girando à procura de guerra e paz, plantados em nada exceto a neve. Queríamo-los lanças poderosas, mas eles murcharam como murcha o pau de um sexagenário, sem fúria, sem libido e sem casacos, murchos e mortos no deserto branco.
Mal foi lançado o primeiro volume e a obra chamou atenção por sua singularidade: era avançada demais para 1945! Um crítico chegou a apontar que “a prosa de Hans Nachtigall, que havia sido escondida de nós até hoje, contém em si um espírito pós-moderno que só é precedido, talvez, pelo que escreveu Borges”. A pacata professora viu sua conta bancária inflar quase tão rapidamente quanto ela era bombardeada com perguntas sobre seu passado, a história da família e, claro, sobre a vida do recém-descoberto gênio que era seu ancestral. A essas, geralmente respondia com um sóbrio “não cheguei a conhecê-lo”.
Mas ela não planejara ficar em segundo plano nos minutos de fama que foram dados ao clã Nachtigall. Alguns meses depois que o terceiro volume de Jene Titan-Sonnenblumen foi publicado, Eva lançou Die dritte Stimme (“A Terceira Voz”), coletânea de poemas de sua autoria. Mergulhando fundo nos diálogos do livro de seu avô (responsáveis por mais de 70% de seu conteúdo), o livro narra como que “uma para-história, subterrânea, enredada na primeira e ainda assim independente, complementando-a e por ela sendo complementada”, nas palavras da própria poetisa. Sobraram algumas críticas à falta de criatividade da senhorita Nachtigall por se basear no legado de Hans, mas no geral a obra foi bem recebida. “A capacidade desses versos de penetrarem o coração de Jene Titan-Sonnenblumen”, garantiu outro crítico, “é louvável, e a teia de conexões que eles possibilitam é um apêndice bem-vindo ao já suficientemente aplaudido épico do finado Hans”.
Por muitos anos, Eva Nachtigall permaneceu confortável com a revolução que criara na literatura, vivendo dos royalties que as obras combinadas de seu avô e sua geravam, sem esforço. Com o tempo, entretanto, o vazio e um sentimento de culpa que lhe haviam nascido anos antes foram lhe roendo por dentro. As comparações com seu antepassado eram freqüentes demais, e ela resolveu se abrir e revelar a grande mentira.
Ocorre que Hans era uma farsa. Nunca existira. Nenhum antepassado de Eva jamais havia lutado na Segunda Guerra, quanto menos escrito um livro a respeito. Ela própria escrevera Jene Titan-Sonnenblumen, mas nenhuma editora concordara em publicar. Foi então que ela e a professora Steinmann (que, como acabou sendo averiguado, era sua companheira havia já anos) decidiram inventar a história do avô escritor. Die dritte Stimme, o livro de poesias, já estava pronto fazia anos, e se pretendia que fosse lançado paralelamente ao primeiro. “Eu escrevi um pra poder escrever o outro”, confessou a professora. “Eu precisava de alguma referência, então fiz os dois fazerem sentido, um em relação ao outro”.
A reação do mundo literário foi de basbaque, se não de raiva. Críticos que haviam glorificado as duas obras agora desdiziam, palavra por palavra, suas primeiras declarações. Ainda que admitindo o talento literário da senhorita Nachtigall, foram unânimes (como haviam sido no aplauso) em desqualificar o impacto cultural da obra do autor fantasma: “Jene Titan-Sonnenblumen”, comentou algum crítico, “é, apesar de extremamente criativo, uma fraude. A revolução era uma mentira. Eva Nachtigall não fez nada que muitos outros já não tivessem feito”. E a Die dritte Stimme restou somente o desprezo e o olvido: “vistos agora, sem o amparo de sua inspiração, os versos parecem vazios e sem sentido. Seus alicerces foram removidos”.