Em julho de 2017,
Antônio Carlos Pereira Alves, morador da cidadezinha de Morro Redondo, no
interior do Rio Grande do Sul, teve seus quinze minutos de fama com uma
história das mais inacreditáveis. O Diário
Popular, da vizinha Pelotas, publicou toda a sua narrativa e acompanhou a averiguação
subsequente.
Tudo teria
começado com seu misterioso desaparecimento, em dezembro do ano anterior.
Segundo ele, que jurou ter sido policial militar antes de sua insólita
experiência, estranhas denúncias vinham sendo feitas naqueles dias pelos
habitantes locais. Algumas foram rememoradas por Alves em detalhes: sons vindos
do nada, como o de uma batalha campal ou do chamado de um elefante, teriam sido
relatados algumas dezenas de vezes em áreas rurais mais remotas; descoberta no
quintal de uma senhora, uma carcaça (supostamente caída do céu) teria sido
analisada por um biólogo da UFPel e se mostrado impossível de identificar; e um
fazendeiro teria se deparado com um gigantesco animal invisível andando por
suas terras, detectável apenas pelo trilho que deixava nas plantações e pelo estrondo
de seus passos. O comando da PM local não achara um modo de lidar com todas as
ocorrências, e as descartava, portanto, como meros rumores, devaneios de velhos
ou trotes de adolescentes desocupados.
Foi então,
conta Antônio Carlos, que, pouco antes da virada do ano, alguns homens que se
apresentavam como agentes da CIA chegaram a Morro Redondo. Aquele que se dizia
líder, o único que falava português, afirmou que a agência estava realizando
uma operação no interior gaúcho e requisitou auxílio da polícia local. Dois
dias depois, um grupo de brigadianos
foi escolhido para acompanhar os americanos em sua incursão pelos campos e
matagais; e o soldado Alves estava entre eles.
O que ocorreu
em seguida, se acreditarmos em tal depoimento, foi um assustador mergulho nos
domínios do paranormal: depois de algumas poucas voltas por estradinhas de chão
batido, os instrumentos de navegação dos agentes simplesmente pararam de
funcionar, e os homens se viram perdidos no meio de uma região deserta dominada
por árvores, riachos ruidosos e desconhecidos animais selvagens. Sim, porque
logo rastros impossíveis começaram a aparecer pelo caminho, e os tais “sons vindos
do nada” que eram relatados pelos velhos senis passaram a ser ouvidos. À noite,
Antônio Carlos se sentia constantemente observado; e as conversas
incompreensíveis dos estrangeiros apenas aumentavam em si a sensação de
deslocamento.
Logo foi
notado que alguns dos PMs sumiam silenciosamente durante a guarda noturna, o
que apenas diminuiu ainda mais o moral do grupo. Os agentes da CIA, ou quem
quer que aqueles homens fossem, pareciam não dar a mínima para isso: apenas
seguiam avançando pelo mundo desolado daquelas paragens, e davam ordens; estas,
de início banais, foram se tornando cada vez mais exóticas, e sempre dadas sob
a justificativa de “proteger o grupo” (sem nunca mencionar contra o quê, todavia). Alves recorda ter sido obrigado a desenhar,
com um galho, estranhos símbolos no chão da floresta; assim como a bater, de
tempos em tempos, em troncos de árvores, em busca de um ruído bastante específico, conforme ensinado pelos americanos. Mesmo
quando constrangido a matar um de seus companheiros, no que descreveu como “um
tipo de sacrifício humano”, o soldado não vacilou. A essa altura, a presença de
algo sobrenatural naquele lugar já era tomada pelo grupo como inequívoca, quase
normal; e uma certa palavra passou a
dominar os diálogos em inglês, a qual Antônio Carlos deduziu ser o nome da
coisa por que procuravam (embora não tenha sabido dizer se era uma pessoa, uma
criatura, um artefato, um evento ou o quê): em seu testemunho por escrito, ele
a anotou como “tôncoca” em um ponto e “tencoque” em outros dois; e, afora
algumas especulações relativas a línguas nativas norte-americanas, a etimologia
de tal termo permanece inconclusiva.
Por fim,
pouco mais de duas semanas depois de partir, o soldado Alves resolveu que não
aguentava mais. Contrariando as ordens dos agentes, fugiu na madrugada,
escolhendo aleatoriamente uma direção e correndo tanto quanto pôde. Para sua
surpresa, antes do nascer do dia descobriu uma pequena vila, onde conseguiu
comida, abrigo e, no dia seguinte, um ônibus para voltar à cidade.
E é
exatamente aí que a linha entre realidade e ficção torna-se obrigatoriamente
mais difusa. Segundo Antônio Carlos, toda a sua vida foi de alguma forma
“apagada” dos registros e memórias de todos: sua mulher e filhos haviam sumido,
outras pessoas moravam em sua casa, os colegas de trabalho não o reconheciam
(inclusive aqueles que o haviam seguido na expedição). Por outro lado, a
Polícia Militar de Morro Redondo afirma que nunca houve um Antônio Carlos
Pereira Alves na corporação, e ninguém exceto ele próprio alega ter tido qualquer
relação com a (ou mesmo conhecimento da) tal visita de agentes da CIA. Para
todos os efeitos e propósitos, todo o incrível enredo, que ele narrou tão
esperançosamente a um jornalista do Diário Popular, não passou de um fruto de
sua imaginação; e acabou por se tornar, na melhor das hipóteses, uma curiosa
lenda urbana (ou, na pior, uma ridícula piada) para o entretenimento dos
habitantes locais.
Como se a
história já não fosse complexa e bizarra o suficiente até esse ponto, novas
evidências foram divulgadas em 2019, reabrindo o caso no imaginário popular. O
ufólogo e filósofo belga Jean Marie Delacroix, que estudou a narrativa de
Antônio Carlos por dois anos, elaborou a respeito dela uma tese tão
impressionante quanto.
Delacroix,
sem sequer vir ao Brasil e entrevistando pessoas-chave apenas por e-mail,
chegou à conclusão de que, sim, uma massiva operação internacional ocorreu em
Morro Redondo no ano de 2017; mas não, não houve nada de paranormal a respeito
dela. Segundo o belga, o soldado Alves foi vítima de uma certa “Operation Wild
Hunt”, supostamente uma subdivisão do projeto MKUltra; este último, de
existência comprovada, tinha como um de seus objetivos a experimentação de
técnicas de controle mental. Em teoria, a operação realizada pela CIA no Brasil
pretendia testar o chamado “princípio da credulidade”, também conhecido como
“lei Stephen King” (ambos os nomes, aparentemente, expostos publicamente pelo
próprio Delacroix): a ideia de que uma pessoa, sob um estado de grande tensão e
em face de fenômenos que seu conhecimento não consegue explicar, tende a
confiar cegamente em um indivíduo qualquer que demonstre algo de domínio ou
controle sobre a situação, mesmo que isso envolva aceitar proposições
fantásticas como verdadeiras sem a mínima evidência. Assim, todas as
ocorrências “sobrenaturais” teriam sido, na verdade, arquitetadas pela CIA (o
que, ao menos, explicaria o fato de Antônio Carlos ter encontrado habitações
pouco após iniciar sua fuga: a incursão estaria apenas se movendo em círculos
por uma área erma); e todos os participantes (os locais que primeiro fizeram as
denúncias de atividade paranormal, a PM, mesmo a família do soldado) teriam,
voluntariamente ou não, colaborado com o experimento e, após o fracasso deste, passado
a ignorar a existência da vítima.
Mesmo após a
teoria do estudioso ter sido propagada pela mídia, entretanto, pouco mudou:
nenhum dos envolvidos se manifestou a respeito, e o soldado Alves (caso algum
dia tenha realmente sido policial militar) não recuperou sua posição ou sua
família; Delacroix sugere que isso se deva a alguma forma de ameaça perpetrada
pela CIA. A agência, por sua vez, argumenta que nunca existiu uma “Operation
Wild Hunt”, e que o projeto MKUltra, além de nunca ter sido aplicado fora dos
Estados Unidos, foi oficialmente cancelado em 1973.
Já Antônio
Carlos, ciente do fim próximo de sua celebridade, declarou que pretende
escrever um livro sobre sua até hoje inexplicável aventura. Se será uma crônica
investigativa ou um romance de fantasia, ele ainda não se decidiu.