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Reza a lenda que, durante a chamada “Era de Ouro” da monarquia medieval georgiana, habitava próximo à costa oriental do Mar Negro um povo cuja linguagem, há muito extinta (se é que um dia existiu), continha inúmeras peculiaridades que espantavam e maravilhavam os povos vizinhos. Uma delas, inclusive, teria quase chegado a assumir um papel de destaque na História, não fosse por um detalhe mínimo, ainda que categórico.
A particularidade em questão é a palavra “ts’aanafagjaqakwq’ax”, composta pela aglutinação de três morfemas: o prefixo reflexivo “ts’aan”; o verbo “afagjaq”, que significava “significar”, acrescido da desinência correspondente ao presente perfeito, “akw”; e o sufixo adjetival “q’ax”. Por conseguinte, ts’aanafagjaqakwq’ax” seria um adjetivo denotando algo que significa o que significa, e que por consequência significa que significa o que significa, e assim por diante, em um círculo semântico infinito; como se não bastasse, o único vocábulo do idioma que podia ser classificado por tal adjetivo era, evidentemente, ele mesmo.
Raciocinar acerca dessa expressão, para os falantes nativos como para os estrangeiros que porventura dela tomavam conhecimento, nunca passara de um joguete, uma diversão inócua de crianças e desocupados. Contudo, numa virada absurda do destino, um rabino e filósofo que vivia na região durante o governo da rainha Tamar propôs que a palavra fosse usada como representação do Tetragrammaton, efetivamente, portanto, substituindo “adonai” como a pronúncia do nome do deus judeu. Inspirava-se na noção aristotélica (muito em voga no pensamento judaico-cristão da época) de deus como proton kinoun akineton, ou seja, “aquele que move sem se mover”, a causa primeira, um ser plenamente realizado que não faz senão contemplar sua própria perfeição; o singular adjetivo, acreditava, incorporava melhor do que qualquer outro termo tal conceito.
O delírio do religioso não se popularizou em meio a seus pares, entre outros motivos, por um pormenor imprevisto em sua teoria: ironicamente, caso a palavra adquirisse a conotação de “nome de deus”, deixaria de significar apenas a si própria, perdendo, portanto, exatamente o que a teria feito assumir o caráter divinal em primeiro lugar. Quaisquer contribuições outras que ele possa ter feito a sua religião e ao mundo foram completamente esquecidas; nem mesmo seu nome é lembrado, e sua própria existência confunde-se com a de mitos do folclore local.
E por quê? Qual é, no fim das contas, o sentido dessa lenda? Por que tal ridículo episódio, dentre tantos outros da saga de um povo e de uma nação, acabou sendo preservado e recontado ao longo das gerações? Qual a moral? Seria uma corroboração da ideia de que deus não pode ser definido positivamente em termos mortais? Ou, se o que impedia a palavra de manter seu atributo divino era tornar-se nome de deus, a mensagem seria que era ela própria deus, e “deus” uma sua representação?
Ou, e esta a possibilidade mais insólita, e inquietantemente mais provável: não será então que a história segue viva apenas (e só apenas) pela tendência universal humana de lhe buscar um significado?