Uma história,
desprovida de significado óbvio ou imediato, que pode ou não ter acontecido:
Conta-se que,
em meados dos anos 20 (do século XX, parece ser necessário esclarecer), um
eminente linguista e missionário cristão voltava de Xangai para os Estados
Unidos, quando o navio em que estava naufragou. Único sobrevivente, o professor
navegou, sem rumo, agarrado a uma caixa de suprimentos, até dar em uma ilha
deserta e desconhecida. Por sorte, seu diário permaneceu intacto, e mediante
ele pôde-se ter uma ideia de suas experiências.
Uma das mais
frequentes e singulares de seu relato, aliás, concerne a um “achado”, conforme
o chamou, que fez em uma caverna localizada a uns poucos passos da praia. Lá,
na parede oposta à entrada, no que ele definiu como “uma disposição que só
posso crer previamente arranjada para a perfeita visualização e a idolatria,
tal como a cruz está para a nave da igreja”, estava representado um curioso
símbolo: um simples risco diagonal, traçado de baixo para cima, a princípio apenas
ligeiramente inclinado para direita, e então, a partir mais ou menos da metade
de seu comprimento, descrevendo um ângulo consideravelmente mais aberto. Tentar
interpretar tal monumento parece ter ocupado a maior parte do tempo do
estudioso, e diversas e divergentes teorias foram povoando o diário: o mais razoável, em suas próprias palavras, seria concluir que o traço fosse a tosca representação
de uma divindade, provavelmente de caráter telúrico; tal hipótese é corroborada
pela existência de uma pequena poça de sangue já seco (presumivelmente
proveniente de sacrifícios rituais) no chão da caverna. Entretanto, aventando a
possibilidade de que as manchas se devessem a um acréscimo posterior à
decadência da cultura local (um acidente, portanto), o linguista lançou-se a
outras considerações: que a linha, descendo “do céu” (de cima), descrevendo uma
pequena curva e então tocando “a terra”, fosse uma referência básica ao
dualismo universal; que fosse um falo ereto que, desenhado na parede de uma
caverna, estaria representando qualquer narrativa mitológica de natureza
sexual; que fosse então somente um homem; uma coisa qualquer que começou a ser
delineada e imediatamente interrompida por algum mal súbito de seu autor (o que
talvez explicasse o sangue).
O que é certo
é que, fosse por tal particular obsessão, por carência ou excesso de algum
nutriente (como quiseram alguns neurologistas) ou por qualquer outra razão, a
saúde mental do eminente professor foi lentamente se deteriorando, enquanto ele
teve de recorrer a instintos primitivos para se manter vivo. Entre seus últimos
escritos (antes que ele abandonasse o diário por completo), inclusive,
especula, evidenciando sua crescente paranoia, que o símbolo houvesse sido
deixado na caverna já no momento do desaparecimento dos nativos, como uma
piada, apenas para atormentar quaisquer cérebros que invadissem sua terra
sagrada; em outros pontos, compara o suposto deus local ao cristão, chegando a
escrever que “hoje, conforme enxergo o mundo e as coisas, o ser supremo que
vejo emanando deste tão eloquente símbolo me parece muito mais lógico do que
aquele que li na Bíblia”.
E, por
ironia, sua história não foi revelada à humanidade antes que ele próprio
deixasse este mundo, exatamente quando uma equipe de resgate chegou à ilha na
intenção de encontrá-lo. Confundindo-o com um animal selvagem, atiraram nele; e
o perseguiram, em sua corrida louca, até a tal caverna, onde encontraram seu
diário e suas roupas rasgadas, além de estranhos objetos sem uso definido
manufaturados com materiais naturais. Percebendo então seu erro, viraram-se
para o moribundo ser que jazia no chão de pedra; sob seu corpo, uma poça de
sangue fresco se formava no mesmo local em que a mancha de sangue antigo
desaparecia; em sua mão, uma lasca de pedra afiada, talvez (ou não) previamente
arranjada para aquele exato fim; e em seu peito nu, uma cicatriz recém aberta,
reproduzindo, de forma tão fiel quanto possível, aquele estranho símbolo
desenhado na parede.