Em sua câmara de estudos, o sábio, a voz rouca e o corpo trêmulo, chama seu fiel discípulo para lhe passar um importante ensinamento: teme que a velhice e a doença logo o levem. Cansado mas resoluto, o ancião busca inspiração para construir o que seu seguidor pensa ser uma alegoria inteligente, uma parábola, um símbolo para as futuras gerações de pensadores; sua mente, entretanto, está sobrecarregada com os anos e anos de trabalho intelectual, e o peso da idade lhe afeta a sanidade. As palavras saem com dificuldade, seu sentido misterioso inebriando o jovem ouvinte com uma sensação irracional de nobreza e divindade. Uma charada. Um desafio surreal e blasfemo, mas que, se decifrado, possivelmente revelaria uma rota direta para a iluminação; só que era tarde demais: na última sílaba, a voz do mestre falha pela vez derradeira, seu peito explode numa dor lancinante, suas mãos se erguem ao vazio como que tentando agarrar a vida que lhe escapa. Está morto, e seu enigma vive.
Por séculos, então, outros sábios se debruçam sobre o mistério, tentando arrancar-lhe ao menos um rasgo de significado. Há aqueles, fanáticos, que tomam as palavras literalmente, e se lançam em estranhas aventuras tentando comprová-las na prática; outros, mais imaginativos, buscam nelas deuses, almas e demônios. O enigma vira profecia, sátira, revelação mística; alguns chegam a suspeitar que o mestre fosse simplesmente maluco. Cada época, enfim, acha um modo de interpretar a charada, encaixando-a em seus próprios problemas, suas sutilezas particulares: cada um, em sua pena ou sua boca, pensa ter não uma interpretação, mas a interpretação.
E eis que se deve perguntar: tivesse o velho pensador sobrevivido àquela noite fatídica, o enigma haveria mesmo sido resolvido?
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