Não é difícil
encontrar, de tempos em tempos, debates nos meios de comunicação acerca de
rodeios, touradas e outras situações que envolvem o abuso de animais. De um
lado, ativistas acusam os patrocinadores de tais eventos de maltratar criaturas
indefesas por puro prazer estético; de outro, os defensores argumentam que
essas atividades são sempre parte da tradição local, seja qual for o lugar, e
que acabar com elas seria atentar contra os costumes e a cultura.
Não vou
escrever uma apologia de nenhum dos dois pontos de vista, até porque acredito
que toda moral é relativa (e, se sou contra a violência aos animais, também
adoro um churrasco); mas um ponto no discurso “a favor” de touradas etc. me
chama a atenção sempre que o ouço: o fato de algo ser considerado “tradicional”
ou “cultural” servindo como argumento em
si.
Em primeiro
lugar, definir “cultura” já é complicado. Qualquer ponto do planeta tem pelo
menos alguns milênios de presença humana, e mesmo antes do próprio Homo Sapiens já existiam formas de expressão que
poderiam hoje ser classificadas como “culturais”. Isso não quer dizer, claro,
que eu acredite em civilizações melhores ou piores umas que as outras; mas que,
se dentro da saga de um mesmo local ou povo existem costumes que foram abandonados,
assim como outros que foram assimilados de outras fontes (ou mesmo inventados
ao longo do tempo), a definição de uma cultura “oficial” é no mínimo
arbitrária.
Também me é desconhecido
o porquê de, hoje em dia, uma atividade qualquer, mesmo já rotulada e
apropriadamente introduzida no rol de tradições locais, não poder ser
abandonada mesmo existindo argumentos pra isso. Falar em cultura atualmente é
como era falar de religião um tempo atrás: mencionar que algo tava na Bíblia
(aqui no nosso lado do mundo, imperativo dizer; em relação a outros lugares,
considerar livro sacro equivalente) já dizia o suficiente. Hoje criticar o
legado dos deuses já é praxe, mas o mesmo não se aplica ao dos homens (mesmo
que em muitos casos ambos tenham se misturado no liquidificador da História a
ponto se tornarem indiscerníveis): a cultura se tornou o relicário do Sagrado
nas sociedades laicas, e se pôr contra alguma manifestação cultural é uma
heresia tão grande quanto era ser contra o domínio da igreja na Idade Média
europeia.
Enfim,
reitero que não foi minha intenção criticar qualquer costume de qualquer lugar
ou período: sempre parece mais fácil julgar os vizinhos, e às vezes nos
esquecemos de olhar pro nosso próprio quintal. Cabe às pessoas de mente lúcida
debater a melhor solução pra essas questões ainda em baila, sem preconceitos. Em
relação aos outros como a si mesmas.